domingo, 2 de setembro de 2012

A poesia

"- Entre se quiser, está nevando. Talvez teremos o que procura.- Disse surgindo do escuro, vendo a sombra de alguém na porta, hesitante.
- Não sei devo, talvez não seja realmente necessário. - Ao dizer sua voz tremia, de algo temia.
- Como quiser. - Caminhei lentamente para o fundo da loja novamente. - Já que é assim, estamos fechados. Volte amanhã.
-Ãhn, é.. Eu, - Desistindo de falar, ouço o sino da porta bater.
Ele se foi, atravessou a rua atordoado e meus olhos o seguiram o máximo possível. Ele se foi, o forte cheiro de lírios continuou pairando no ar.
- Ele voltará. - Disse uma voz que saiu da minha boca, mas não a reconheci como minha.
Na manhã seguinte, como previsto, o sino anucia a entrada de alguém. Levanto os olhos do meu livro e observo um homem alto, timido, lindo.
- Voltei, e procuro seu amor, este está a venda nas prateleiras? Gostaria também do brilho dos seus olhos, seu olhar negro me encarando tira-me o ar. Pare de me olhar como se fosse louco - Se aproxima e para na minha frente - Você me conhece e eu te conheço. Talvez não lembre de mim, também não lembraria. Pense um pouco melhor. - O cheiro de lírios tomou o ar novamente e uma forte rajada de vento balançou meus cabelos.
Levantei e fui fechar as janelas, tentando lembrar onde o conhecia. Lírios, tic tac, lírios, tic tac, lírios, tic tac, lírios, tic tac, lí..."

- AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA - Um forte grito rasgou minha garganta. Levanto a cabeça e nada mais vejo, a não ser meu bloco de notas e minha caneta sendo esmagada pelos meus dedos trêmulos.
Atordoada, lembranças invadem minha mente "Um beijo, um abraço, um mar violento e agitado, uma noite, um sexo, uma bebida, um medo, uma lua, uma gargalhada, um grito, uma morte e uma voz ecoando em sua mente: Pense um pouco melhor"
Era noite de lua cheia, talvez a mais linda do ano. Corria sem destino, talvez quisesse agora alcançar a lua, fugir dali, encontrar uma dimensão onde estivesse segura. As assombrações voltaram e o medo ressurgiu junto com toda a culpa que sentirá, matará duas pessoas, deixaste uma vida se afogar e perdera a sua lamentando-se. Mataste tua alma no momento em que se culpasse. Havia tido alta a apenas duas semanas... Duas semanas e tinha uma nova vida, duas semanas e uma nova memória, duas horas tudo destruído. Perdida em um mundo dela, sentou-se na areia. E ali, sentada observando o vai e vem da onda, pegou seu bloco de notas e sua caneta preta, a mesma que sempre usará. E encontrou novamente o menino, ali sendo escrito com caligrafia corrida, estava sorrindo para ela, e mais uma vez, saiu de si, atravessou outra dimensão e percebeu que estava perdida. Sua alma se afogará na imensidão do papel branco e mais nada lhe tiraria dali.
Horas depois, encontraram-na desmaiada na areia, internaram-lhe novamente. Semanas se passaram, e nenhuma melhora, nenhum sinal de racionalidade.
Dois de setembro de mil novecentos e setenta e cinco, fazia sol, e deitada no divã estava perdida novamente em sua imaginação.. Após o término de sua consulta, escutou seu médico falando com umas das enfermeiras "Essa menina se perdeu, se perdeu na imaginação, tudo o que vê, ouve e até sente, é apenas fruto de um coração partido e uma mente livre..." Fechou a porta, e sorriu forte, satisfeita em saber que casará com a literatura, nada mudaria o fato de ser livre diante de seus pensamentos, que morasse neles, e com medo ficava sempre que tentavam entender sua mente, se um dia descobrissem seus segredos, jamais seria livre novamente.
Com a poesia se sentia em casa, pois nela meu bem, o sentido é supérfluo. E se quiseres, puxe um banco e sente-se para escutar, ou pegue-a pela mão, e voa para algum lugar. Sentou-se na cama, pegou seu bloquinho e uma caneta, e novamente viajou em suas memórias. "Alguém sentou-se ao meu lado, e novamente o ar estava cheirando a lírios..."

|Erika Bastos